VIVENDO IRMÃMENTE

Um amigo de meu pai jamais pensou em casar, embora não dispensasse uma boa companhia feminina.

Resultado: um longo namoro acabou virando coabitação informal, cada vez com menos sinais exteriores de afeto.

Ele e ela não iam juntos a lugar nenhum, ou seja, comportavam-se como a maioria dos casados faz.

Passaram-se anos, o amigo de meu pai manteve-se numa vidinha boêmia quase inocente; sua companheira continuou costurando, sempre residindo na casa do, digamos, noivo eterno.

Até que ele teve um infarto daqueles e se foi, sem essas nem aquelas.

A companheira manteve-se na casa onde viviam, porém, pressionada pelos parentes dele, herdeiros naturais do tio solteirão, teve de se mexer.

Alguém a orientou a ingressar em juízo, pleitear a aposentadoria do finado, legitimar a posse da casa de morada. Para isso lhe arranjaram advogado dativo, que nem se preocupou em instruir com mais cuidado a sua constituinte, tão líquidos e certos lhe pareceram os direitos da viúva de fato.
Infelizmente as pretensões dela não prosperaram porque no início da audiência o juiz lhe perguntou:
— A senhora conheceu bem o Sr. Fulano?
— Sim, conheci.
— Teve constante relacionamento com ele?
— Sim, tive.
— E como era esse relacionamento?
— A gente vivia muito bem, como dois irmãos.
— Sempre como dois irmãos?
— Sempre como dois irmãos.

Nada mais havendo a tratar, o juiz deu por encerrados os trâmites e não se falou mais no assunto. Ela acabou morrendo com dificuldades de manutenção, por excessivo amor às aparências sociais, a que ninguém atribui cada vez mais a mínima importância.