As páginas em branco da vida

As páginas em branco da vida

Quando criança costumava desenhar. O prazer de receber um pacote de folhas de sulfite ou um novo caderno era indescritível, um gozo.

A satisfação era rapidamente substituída por incômodo, bastava o primeiro risco no papel para que a sensação transformasse em desprazer. Apagá-lo!? Não bastava, mesmo que o ‘erro’ se tornasse imperceptível com a passagem da borracha.

Todo começo de ano era acometido pelo prazer de receber cadernos, folhas e materiais novos. O novo semestre letivo, um novo começo, despertava uma expectativa que naquele ano seria diferente. Manifestava-se a esperança de que ‘Dessa vez, será tudo perfeito’. Esperança e prazer que acabavam nos primeiros rabiscos da nova série.

Um erro! Uma folha a menos. Uma letra errada! Um texto passado a limpo. Todo ano era a mesma coisa, e nos meus onze anos de escola são óbvios que nunca atingi a perfeição, ao contrário, eu nunca completei um só caderno, na verdade, um só, o primeiro.

Não demorou para que eu estendesse esta peculiaridade para todos âmbitos da minha vida. Qualquer erro, qualquer vergonha, qualquer insucesso não era simplesmente corrigido por uma borracha. A folha, o caderno da vida, tinha que ser jogado fora a fim de tentar recomeçar mais uma vez.

Acontece que na vida não se pode comprar folhas ou um caderno novo para que reescrevamos nossas histórias do zero. Foram anos jogando dezenas de folhas e cadernos fora, e só bem recentemente, descobri que o caderno, as folhas em branco da vida não podem ser descartadas depois de rabiscadas.

O caderno da vida não permite que arranquemos pra sempre aquele trecho do qual não gostamos. Mas ele permite que, viremos a página, iniciemos um novo trecho, comecemos um novo parágrafo com mais esmo depois de um não tão bom. Podemos rabiscar, rasurar, e aqui é também pode-se passar a borracha, ainda que aquilo que foi apagado fique eternamente marcado no papel.  Mesmo que se torne invisível, mesmo que rescrevamos sobre ele. Mesmo que o escrito tenha sido registrado com a leveza de um lápis.