O ex-covarde

O ex-covarde

Confesso que estou ignorando sua dica para escrever “colunas no computador, poesias no papel”. Acontece que como você bem sabe, eu não sou escritor, quiçá um poeta, como você é amigo.

 

Sou um analisante em busca de construir minha própria Psicanálise. Freud durante todo seu percurso de vida trocou cartas com estimados amigos que o ajudaram a construir sua teoria. Nos meus devaneios narcísicos já te disse “Imagina nossas conversas nas mãos de biógrafos no futuro”. As conversas de Whatsapp são as cartas do mundo contemporâneo! Mas se isso acontecer, talvez nem saibamos, escritores e psicanalistas geralmente só são lembrados na morte.

A não ser que deus conceda o milagre das exceções para com a condição miserável da existência. Nesses casos raros, alguns poucos infelizes tornam-se famosos em vida. Nelson Rodrigues e Freud que o digam, viveram as ambivalências do amor e do ódio, e continuam vivendo-as na morte. Gênios não descansam nem a sete palmos debaixo da terra, nem enfurnados em urnas, recebendo olhares de admiração e desprezo todos os dias. Que os deuses nos livrem da genialidade! Espero que nos contentemos com a calmaria da mediocridade.

Escrevo para externalizar as muitas coisas que se entalam na minha garganta, e a ponta da caneta age de forma teimosa, descontrolada, como um sujeito que fala desenfreadamente deitado no divã, ignorando outra dica sua para com o limite de linhas. Sei que seu desejo sempre foi que eu voltasse a publicar com meu texto “O ex-covarde”, mas como um bom neurótico obsessivo, nunca gostei daquela, mesmo você me falando que era sua preferida.

Hoje começo a não me preocupar com o que vão pensar sobre o que eu escrevo. Falar sem pudor e deixar de se preocupar com o julgamento alheio é um processo contínuo que nunca cessa. Meu amigo, você também bem sabe que sofri muito, “na pele e na alma”, usando as palavras de Nelson na original coluna “O ex-covarde”. E você é uma das pessoas que me ajuda a começar a soltar as amarras das minhas neuroses. Nossas conversas virtuais podem ser dizimadas com o toque de um dedo, mas algumas destas palavras estarão sempre marcadas à tinta nessa folha que vos escrevo. Quando você às ler, provavelmente estarão um pouco diferentes depois que digitá-las, e a sua leitura será acompanhada por uns poucos gatos-pingados que clicarão nos links do jornal, mediados por luzes que incidem sobre aquilo que talvez não devesse ser iluminado.

Mas preciso me desengasgar, e este é o mundo que vivemos, num clique, todas essas palavras podem viver apenas a solitude de uns poucos leitores que um estudante de Psicologia, metido a colunista, pode engajar.

Mas deixo aqui registrado nessa folha, que sua efemeridade dependerá do esmero com a qual for guardada, o apelido que só um amigo Rodriguiano poderia cunhar: ‘Tarado de Rio-Pardo’. E não se preocupe com tal exposição. O filho de ‘Barba-de-fogo’, que recebeu apelidos como ‘Anjo pornográfico’ e ‘Tarado de suspensórios’, já dizia que “O tarado é toda pessoa normal pega em flagrante”. Intitulo essa coluna em homenagem a você, amigo escritor. Hoje posso subir numa mesa e bradar de forma apoteótica: “Eu sou um ex-covarde!”. Obrigado Nelson Rodrigues! Obrigado Emanuel Madeira!