/O nada a anotar//

A descrição da passagem do tempo é um tanto quanto vã. O tempo passa, bilhete único. O tempo todo, mesmo sem rumo. O tempo passa. E assim, desde sempre, embarcamos no infinito trem das horas.

Acordar, trocar, preparar, comer, lavar, sair, trabalhar. Meros verbos propulsores próximo a tudo o que ameniza as pausas temporais de nossa verborrágica rotina.
Terminado todos os afazeres, nos deparamos com o nada ao redor.
Solidão.

A sós, nus com o umbigo, qualquer forma de distração é um tanto quanto débil, como este vaso leitoso repleto de flores secas, na mesa defronte ao sofá. Amareladas, devem ter sido arrancadas na já distante tarde ensolarada de sexta-feira, quando ressoava da panela, o bule cheio, chamando todos os agregados para a farta mesa de café da tarde.

Agora, no largo nada invisível, estampado na sala, não faz mais sentido a lembrança. O presente, é, indubitavelmente, solitário.

Na solitude dos tons pasteis estampado nas paredes silenciosas, onde meus pensamentos velam, não há nem pó de rastro de esperança, nem a xícara de porcelana de chá quente, consegue resistir fumegante por muito mais.

Não, nada disso. Há um nada a notar nestas horas que não demoram, correndo para alcançar o tempo de um poema, de uma aurora.

Na tentativa de amenizar a saudade, há um nada, um vazio agudo, se rabisca nas páginas amarelas.

Resta, porém, um instante para a lembrança das paixões, das cidades de brinquedos montadas ao longo do tapete, da grande bola azul de ginástica semanal, das tardes gris chupando mexerica diante o crepúsculo alaranjado, a se perder de vista.

É alegria esperançosa a memória de sentir o suco da fruta a babar pelos queixos.
Saudosa é também a alegria, na solidão da tristeza tardia, traduzida pelo chá na mesa, em frente ao amarelado sofá.

A fumaça melancólica que resta se esvai na lembrança da solidão, alegre e distraída, em frente à TV, quando devorava os milhares de rosquinhas de chocolate.

Não resta mais solidão nos devaneios junto aos heróis aventureiros.

Não resta mais solidão, quando a lembrança do alegre nirvana dos momentos a sós, resiste.

Neste momento, raia o sol da plenitude da felicidade no meu orbe emocional.

Neste momento, nada mais resta. Nem mesmo a solidão.