Vício terrível

Matéria que se há de reconhecer corajosa: o Ministério da Saúde adverte que fumar faz mal ao Brasil, dá prejuízo. Corajosa por quê? Porque por muito e muito tempo se escondeu dado fundamental do problema: como os impostos incidentes sobre os cigarros são os mais altos de que se tem notícia, as fontes arrecadadoras de tributos evitavam falar nesse mau negócio que era escorchar o pobre fumante e ao mesmo tempo gastar rios de dinheiro com as vítimas do vício de fumar. Ou em outras palavras – ainda se arrecadando bilhões e bilhões de tributos, essa fábula de dinheiro não vem dando para cobrir os gastos com as tantas vítimas de câncer, acidentes vasculares, enfisema, etc.

Eu mesmo, que durante um quarto de século (ou mais) emprestei meu pulmão à peçonhenta fumaça do tabaco, lá uma vez ou outra enfrentei cigarrinhos de palha, ou de fabricação caseira ou da marca Pachola, os mais indicados para espantar mosquitos nas pescarias. Acabei, depois de algumas tentativas frustradas e pesados sacrifícios, desvencilhando-me da dependência. Cheguei mesmo a escrever um texto – “Fumante licenciado” – sem dúvida o mais transcrito de quantos tenho publicado. Conservo provas de sua inserção em mais de trinta jornais e umas tantas revistas.

Meu pai jamais deixou de fumar. Tendo morrido aos oitenta e oito anos, fumou por mais de setenta, quem sabe setenta e cinco, porque se começava muito cedo. Eu mesmo comecei aos doze ou treze, na segunda ou terceira série do ginásio, por mera imitação dos mais velhos e/ou por afirmação machista, como era de praxe. Os primeiros cigarros que fumei, eram filados de meu pai – Liberty ovais, que mereciam a dura classificação de arrebenta-peitos. A marca foi retirada do mercado em nossa região, mas continuou fabricada no Rio de Janeiro pela Souza Cruz. Lembro-me de uma vez que lhe trouxe dois pacotes de presente. Ele os recebeu como especial dádiva. Era um cigarro forte e de fumo compactado, de modo que se a pessoa o deixasse no cinzeiro, ele se apagava logo, bem diferente dos cigarros modernos, que simplesmente se queimam sozinhos depois de acesos.

Mas com a passagem dos anos, meu pai foi abandonando o cigarro de papel. Dei-lhe um pacote de Minister, quando ele já andava pela casa dos oitenta e só os fumou de vez em quando.  Estava na fase definitiva do cigarro de palha feito por ele mesmo, numa operação que tinha algo de filosófico, de exercício de paciência. A palha, conseguida ainda envolvendo espigas, era selecionada por critérios muito subjetivos, que envolviam espessura, textura, cor e nem sei mais quê.