O CABELEIRA, uma joia escondida da Literatura brasileira

Olá! Hoje, já que houve pedidos, volto a falar sobre literatura. O livro escolhido é brasileiro e, de acordo com os dias sombrios e cheio de exclusão, seja ela de qualquer tipo, traz à tona um assunto sempre atual no nosso país: as diferenças sociais e a crucificação daqueles que tentam fazer justiça negada pelo Estado.

O Cabeleira, escrito pelo cearense Franklyn Távora há mais de um século, é uma das joias escondidas da Literatura Brasileira. De forte cunho social e denúncia sobre a árdua sociedade nordestina no século XIX, o livro narra a vida de José Gomes, um protótipo de cangaceiro.

A personagem perambula pelo interior de Pernambuco, injustiçado, tentando levar igualdade aos miseráveis. Um bandido social, o Cabeleira (como é conhecido), torna-se um herói para os que sofrem e um vilão para os que governam (qualquer semelhança com nosso quadro político e social não é e nunca foi mera coincidência. Devíamos nos envergonhar em apoiar certas passagens históricas). Outras figuras metaforicamente bizarras também aparecem na obra, como o juiz ventríloquo das ordens dos mais fortes que chega a questionar “…sou eu acaso juiz? Não sou mais do que o executor de uma ordem dada pelo governador. Acredito que prendi um criminoso, para o qual, se a mim competisse julgá-lo, teria eu uma condenação mais branda. Mas o direito de o mandar ir embora não o tenho eu. ”

Além de denúncia, a obra também critica os efeitos da pena aplicada sobre o infrator, “A execução do Cabeleira e seus corréus não atalhou as desordens e delitos, a que se refere a provisão; não trouxe terror nem emenda aos malfeitores. ” Ele levanta a questão da falta de um “porquê” racional, pedagógico da pena, principalmente a de morte: “Ah! Meu amigo, a pena de morte, que as idades e as luzes têm demonstrado não ser mais que um crime jurídico, de feito não corrige nem moraliza. O que ela faz é enegrecer os códigos que em suas páginas a estampam, por mais liberais e sábios que sejam como é o nosso; é abater o poder que a aplica; é escandalizar, consternar e envilecer as populações em cujo seio se efetua. ” Parafraseando um estudioso sobre o tema, Arnaldo Godoy, “Franklyn Távora imputou à sociedade os crimes que a justiça condenava, tornando-se raivoso para com o sistema o qual, a seu ver, reproduzia a miséria, verdadeira causa do chamado comportamento marginal, legou-nos uma obra genuinamente brasileira, reveladora de nossas mazelas, e de pontos recorrentes que nos cobrem de insatisfações e frustrações.” Conforme pode-se observar na passagem “A justiça executou o Cabeleira por crimes que tiveram sua principal origem na ignorância e na pobreza. Mas o responsável de males semelhantes não será primeiro que todos a sociedade que não cumpre o dever de difundir a instrução, fonte da moral, e de organizar o trabalho, fonte da riqueza? Se a sociedade não tem em caso nenhum o direito de aplicar a pena de morte a ninguém, muito menos tem o de aplicá-la aos réus ignorantes e pobres, isto é, àqueles que cometem o delito sem pleno conhecimento do mal, e obrigados muitas vezes da necessidade. ” fica mais do que claro o motivo pelo qual devemos ler.

Nosso anti-herói foi criado por mãos que se ergueram para protestar contra a injustiça de sua época, expondo o desencanto e a frustração. É o que ocorre nos dias de sempre do Brasil: uma imensidão sem fim de pessoas injustiçadas e, o que é muito pior, alienadas, servindo de marionetes para uma força maior, seja política ou religiosa compactuando com a proliferação da corrupção, das diferenças, da concentração do poder, do desespero da população, sendo que, assim como o juiz da obra, não percebem que são ventríloquos, repetindo e copiando o mesmo comportamento doutrinado. São bestas domésticas que insistem em continuar com a velha opinião formada sobre tudo. Franklyn Távora foi perspicaz e surpreendente ao desenvolver essa história e, garanto, foi muito sensível e cuidadoso ao criar o desfecho.

Leiam!